Um conto que escrevi baseado em uma história real de uma visita ao grande Vinícius.
Leia um trecho abaixo:
Visitando Vinícius
uma estória verídica
Julieta moça mirrada, porém vistosa, andava com suas pernas longas e finas pelo colégio, segurando seus livros no peito em plena década de 70 em um colégio grande no centro do Rio de Janeiro. Entrou na classe e as cortinas brancas e longas levantaram-se bailando pelo vento leve que desceu redondamente o tecido de algodão cru até o chão.
Para a próxima aula a professora de Literatura queria um projeto de entrevista, algo rebuscado e preciso para ser apresentado oralmente no palco dos horrores na frente da classe imensa de 45 alunos garotos espinhentos alegres e sacanas, garotas de saia, bronzeadas pela praia de Copacabana. Julieta, a moça do Rio, comentou com suas amigas sobre o desejo de conhecer Vinícius...
uma estória verídica
Julieta moça mirrada, porém vistosa, andava com suas pernas longas e finas pelo colégio, segurando seus livros no peito em plena década de 70 em um colégio grande no centro do Rio de Janeiro. Entrou na classe e as cortinas brancas e longas levantaram-se bailando pelo vento leve que desceu redondamente o tecido de algodão cru até o chão.
Para a próxima aula a professora de Literatura queria um projeto de entrevista, algo rebuscado e preciso para ser apresentado oralmente no palco dos horrores na frente da classe imensa de 45 alunos garotos espinhentos alegres e sacanas, garotas de saia, bronzeadas pela praia de Copacabana. Julieta, a moça do Rio, comentou com suas amigas sobre o desejo de conhecer Vinícius...
Sabia-se que Vinícius era um poeta galante com seus quase quarenta anos, voz caprichada, sossego no peito e anos de bossa nova. Encontrava-se sempre com o violão e um sorriso marrudo, amigos envoltos por mais uma criação musical.
Julieta e as amigas de classe concordaram em enfrentar a vergonha comum entre as garotas de 16 anos e agitaram seus sapatos escuros lustrados, bebendo goles de Coca-Cola in vitro. Caminharam até a presença do poeta, na praia de Ipanema.
A alguns metros do mar, se agitava uma onda de meio metro de altura forte como os desenhos da calçada em que caminhavam as garotas cariocas sem reparar ao fundo a beleza da cidade maravilhosa. Pudera então e chegaram até a presença do poeta.
Iniciou Julieta:
-Olá, com licença Seu Vinícius...
-Digam lá moças!
-A professora de Literatura pediu de lição um projeto de entrevista com uma personalidade e como a gente sempre te vê aqui pela praia, a gente quer saber se você poderia...
Vinícius deu uma gargalhada repetente, mas curta. Deixou transparecer seus dentes e deu um trago:
-Sabe moça não sei eu sou uma personalidade...mas se vocês quiserem eu recebo vocês na minha casa lá na Gávea...
-Que bom Vinícius!A gente te admira bastante...e seria um prazer poder entrevistá-lo...
Julieta e as outras moças cariocas, sorriram e marcaram um horário para a entrevista. Julieta anotou em seu caderno universitário de 10 matérias o endereço de Vinícius enquanto chegava bem perto a sentir o hálito fundo de cigarro de marca.
No dia marcado, as moças caminharam, e por fim apenas duas delas foram até a en-trevista. Preparam o gravador marrom de fita cassete e andaram pelas calçadas com ondas. Entraram no bairro e bateram na porta da casa marcada, às 9 da manhã.
Alguns segundos e Vinícius abriu a porta da casinha. A casa era antiga e fabulosa. Entraram por um longo quintal com trepadeiras no muro de concreto escuro.
Passaram por uma jovem senhora linda. Era uma morena sorridente que regava algumas plantas. Depois de anos ficaram sabendo que aquela era a terceira mulher de Vinícius, que o mesmo havia deixado por não ter encontrado nela poesia.
De fato, em parênteses. Vinícius foi um incompreendido. Não havia mulher que topasse sua poesia, não havia poesia que encontrasse paz em sua alma sem um beijo de mulher. Ele era sim, um incompreendido. Mas garanto que centenas de mulheres deixaram lágrimas anos depois quando o poeta se foi...
...Julieta soluçou e riram, Vinícius colocou a mão pela frente da testa e penteou os poucos cabelos escuros, quase grisalhos, acendeu um cigarro. Juntaram-se pelas cadeiras de varandas em borracha azul e Julieta ligou o gravador.
Cinco anos depois Julieta conseguiu ouvir a entrevista gravada na fita cassete chiada, sem derrubar lágrimas:
-Vinícius de Moraes, quando você iniciou suas composições poéticas?
Vinícius explicou o quanto havia rodado até se encontrar na música e nas letras.Contou como era sua vida no Rio, sobre as tardes em Itapuã, os parceiros de trabalho, sua relação com o mar, com as mulheres.
Julieta deu quatro voltas pelo quintal após ouvir a voz do poeta pelo gravador, sorrindo quando falou sobre Toquinho.
O vestido de mulher branco de algodão cru, que havia ganho do poeta, uma semana depois da entrevista, rodopiou em danças circulares assim como a cortina que o vento levantava no dia ensolarado na velha escola. A mesma escola das meninas de saia dos garotos espinhento. Lembrou da areia da praia, da calçada com ondas e do dia da visita.
E também recordou o romance que havia escondido de todos. Sim, Julieta percebeu o quanto era relutante a busca de Vinícius em torno da poesia e em torno das mulheres.
Julieta compreendeu sua poesia.
“No espelho em frente eu sou mais um freguês
Um homem que já foi feliz, talvez
E vejo que em seu rosto correm lágrimas de dor
Saudades, certamente, de algum grande amor”
(Trecho de A carta que não foi mandada, de Vinícius de Moraes.)
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