12 de mar. de 2008

Em cores



Um olhar sobre o universo de Tim Burton
por Fábio Andrade


Na paleta de sombras que compõe Sweeney Todd, por dois momentos somos levados a universos dominados por um cromatismo gritantemente particular. O mais claro é o do mergulho em wishful thinking da Srta Lovett (Helena Bonham Carter), então apaixonada por Sweeney Todd (Johnny Depp), em que ela que sonha poder trocar os cinzas da sangrenta vingança que os aprisiona na vida real pelo mundo azul e dourado de sua imaginação. Saímos de um piquenique de verdes esmaecidos e caminhamos, com eles, perto do oceano, ao lado do azul que se estende por todo o quadro e, em sua simbologia clássica, possibilita o olhar a se perder em infinito adiante.

Logo na primeira parte do filme, porém, outro choque de cores já havia movimentado a lógica interna de forma menos clara e, por isso mesmo, mais intensa. Ao narrar o que teria acontecido com a mulher de Todd, a Srta. Lovett banha um relato de loucura, abuso e suicídio em desconfortáveis tons de ouro, com um calor e uma afetividade aparentemente impróprios, quebrando o monocromatismo que sustenta a estrutura visual de quase todo o filme. Sweeney Todd se revela mais radical nesse seu trabalho de cores quando, mais tarde, descobrimos que o fim da mulher de Todd fora inventado pela Srta.Lovett. O estranhamento gerado pelo afeto cromático do suposto flashback vem, assim como na seqüência da praia, marcar aquele trecho de narrativa como sonho, como desejo. Em um mundo concreto monocromático onde o único salto de cor esguicha de dentro das personagens com o vermelho do sangue, Tim Burton só enxerga a possibilidade de cores na projeção, no exercício ficcional. Mais do que um mergulho pessimista do olhar no mundo – o que, de certa maneira, o filme não deixa de ser – Sweeney Todd marca a inversão de um trabalho de cores que sempre foi central na obra do diretor.continua...



fonte:Cinética

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