Crônica: Exercício de Flanêur
por Júlia B.
Inspirado nas minhas aulas de sociologia.
“Não existem coisas interessantes. Existem
olhares interessantes sobre as coisas” (Lira)
Nesta cidade, onde há tudo e nada ao mesmo tempo, nem vejo o tempo passar porque estou dormindo, apoiada na janela do ônibus. Abro os olhos. É um ambiente tão acolhedor… Está frio e todos estão agasalhados, menos aquele senhor sentado na sarjeta bebendo algo na sua caneca de alumínio. Ele está com calor, está em seu interior e a cidade não está lá para ele.
Se chove, todas as direções são duplicadas. As gotas caem e todos fogem, mas não vêem seus sapatos de couro refletidos nesse espelho d’agua. Que pena. Ali há um pombo pousado no alto de um poste. Ele observa o horizonte, de um lado para o outro, sua cabeça não fixa. E a multidão passa lá em baixo, e ele não vê, simplesmente não os vê.
O homem com medo e sendo perseguido, a velha senhora com uma sacola de feira no meio de uma grande avenida, o jovem ansioso esperando a namoradinha, a garota ouvindo musica impunemente, o grupo de meninos rindo de algum machismo, algumas pessoas tão parecidas… Duas bolsas iguais. Dois sapatos iguais, mas um está mais sujo, outro é maior.
Segue o corredor de ônibus, e as pessoas esperam lá, sem saber pra onde olham. As vezes alguém chama a atenção mas tem de desviar o olhar porque ela parece não gostar de ser observado… Mas vou olhar pra onde, então? Para o tênis, o canto da bolsa, o broche pousado, a formiga andando ali tão solitária! Mas formigas não andam em grupos? Pessoas andam sozinhas demais. Cada um comendo seu prato em uma mesa muito maior. “Com licença, posso sentar aqui?”. É incômodo dividir a mesa com estranhos. O silêncio gritante de dois desconhecidos! Sofremos no elevador. “São só alguns minutos, segundos, talvez”.
Há camadas de sons ecoando. Alguém falando do meu lado, a britadeira, os carros, os ônibus, as pessoas falando, os passos, as árvores chacoalhando com o vento, caixas registradoras, risos, coisas caindo no chão, um homem que toca com a colher num prato vazio, o bêbado que murmura, empurrões, coisas derrapando, sacolas de supermercado, moedas, caixas de cerveja… Quem sabe lá no fundo, o som de passarinhos?
Há camadas de cheiros também. Expressões faciais provindo desses cheiros. Cheiro de pó, de sujeira, de perfume importado, de mulher, de homem, de bebê, cimento, cigarro, arbusto, fumaça, café, suco, comida, cabeleireiro, plástico… Mas não se sente nada, todos estão gripados. No fundo quem sabe, o creme nos cabelos da garota, aqueles cabelos com aparência de molhados, mesmo depois de secos a muito tempo… O que nos irrita, talvez percebamos… Leggings… “Que mau gosto!”
Fiquei de olhos abertos. Até chegar no ponto final. Abstraí, pensei nesse texto, tudo acaba em menos de um segundo. Volto-me para meu interior, e a cidade lá fora, vivendo tudo tão descaradamente, bem na minha cara. Menos de um segundo.
(de exclusiva correspondente de Sampa Julia B.)
Olha quem voltou: OK Go
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(sim, temos o clipe novo)
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